quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Recado de José Saramago (in memoriam) a José Serra

"A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu. (...) privatize-se a Capela Sistina, privatize-se o Partenon (...) privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei (...). E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. (...) E já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos."

(José Saramago, in "Cadernos de Lanzarote - Diário III", págs. 147/8)

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

E o verde violentará o sonho?

A fabulosa votação que Marina Silva teve ao final do primeiro turno a coloca na posição de noiva disputada por PT e PSDB. O enxoval do PV lhe caiu bem, e parece haver na sociedade, principalmente entre os mais jovens que moram nas metrópolis, um gosto especial em lhe oferecer um voto de confiança e apreço por seu passado de coerência na defesa do meio-ambiente, depois de ela ter sido desprezada pelo PT. É quase um conto de Cinderela. 

Marina dá entrevistas, Marina é procurada insistentemente por Serra e Dilma. Marina ouve o clamor das ruas perguntando: com quem Marina ficará? É fácil de deixar encantar por uma situação dessas, mas peço à Marina que não permita que o assédio turve sua coerência de verdadeira defensora da sustentabilidade. 

Escrevo sobre meio-ambiente e sustentabilidade antes mesmo de me formar como jornalista, em 1991. Meu trabalho de conclusão de curso, sobre os conflitos entre preservação e presença de comunidades nativas na Juréia, teve um dos principais coordenadores da campanha de Marina Silva, João Paulo Capobianco, como membro da banca. 

Eu nunca separei sustentabilidade de desenvolvimento social. Não se pode pensar em preservar os recursos naturais e criar condições pra o desenvolvimento sustentável sem que se pense na erradicação da miséria e da fome, na criação de condições dignas de vida e na educação para o futuro. 

O Brasil esperou 500 anos para ter um governo voltado para essas questões fundamentais. Não é preciso aqui repetir o que o mundo inteiro sabe: o Brasil avançou muito nos últimos 8 anos, e criamos condições para continuar nos desenvolvendo cada vez mais voltados para a sustentabilidade ambiental e social.

Quero me dirigir em especial à Marina Silva, agora.

O Brasil não é um barco fácil de se comandar, como você bem sabe, Marina. Não é uma canoa que se possa controlar com um simples remo. O Brasil é um transatlântico imenso e cheio de contradições historicamente acumuladas.

Nos últimos oito anos, o navio chamado Brasil embicou para o rumo certo, com desenvolvimento, oportunidades e distribuição de renda.

Com a eleição de Serra, Marina, corremos os risco de uma mudança de rota que poderia pôr a perder todo o esforço dos brasileiros e brasileiras para chegarmos a este momento de crescimento econômico sustentável, aumento de nossa auto-estima, reconhecimento internacional e expectativas de anos ainda melhores com a Copa do Mundo e Olimpíadas.

Minha cara Marina Silva, não podemos permitir que cartazes contra o aborto e a homossexualidade, esfregados às pressas contra nossas caras durante esses últimos dias de campanha, encubram a verdadeira questão: qual é o rumo que desejamos para o Brasil? Vamos retomar as propostas privatizantes e neoliberais que arrebentaram a economia brasileira durante o governo FHC?

A cruzada moralista do Serra contra o aborto e outras questões de foro íntimo não devem contaminar um Estado laico. Isto é uma nuvem de fumaça negra e odiosa que pretende criar um estado de espírito de indignação que lhe permita ao PSDB amealhar votos justamente nas classes mais favorecidas pela política econômica do governo Lula. Aquelas de onde você veio.

Marina, não permita que o verde do seu novo enxoval violente o sonho dos brasileiros que são mais próximos a você e à sua história de vida.

Marina, venha logo para o lado dos que acreditam que o Brasil precisa seguir mudando. Não permita que a direita oligárquica que se no comando do Brasil durante 500 anos use a sua bandeira verde para voltar ao poder.

Marina, o seu sonho é lindo. Mas não pode se transformar no pesadelo do Brasil. 

Vinícius Romanini
Jornalista e Professor de Filosofia da Comunicação
Escola de Comunicações e Artes (ECA)
USP